Por Heber R. Bertuci.
O texto de Gn 15,6 nos ensina que Abraão foi justificado por sua fé. O
texto diz que Abraão “... creu no SENHOR, e isso lhe foi imputado para justiça.”
Há duas palavras importantes na interpretação deste verso. A primeira delas é o
verbo crer: Abraão creu no Senhor. O verbo hebraico usado aqui é o primeiro em
importância no Antigo Testamento para descrever o ato de fé. É o verbo he’emin, que significa: considerar
algo como estabelecido ou como verdadeiro. Com este verbo aprendemos uma grande
lição: a fé bíblica “... é algo seguro, uma certeza, em contraste com conceitos
modernos de fé que falam de algo possível, que se espera ser verdadeiro, ainda
que não seja certo.” (Harris; Archer, Jr.;
Waltke, 2005, p. 85). Portanto, quando Moisés escreve que Abraão creu em
Deus, ele quis afirmar que Abraão tinha plena convicção que Deus existia e que
podia cumprir as suas promessas. A segunda palavra importante do texto é imputar.
Na língua hebraica é o verbo hashav, que tem uma gama de significados, cujo principal é contar. Em textos como
Gn 15,6, este verbo significa creditar, isto é, colocar algum valor na conta de
alguém. O mesmo sentido encontramos em Nm 18. No contexto vemos que se os levitas
“... não cultivavam nem criavam gado, como as demais tribos, [eles] deveriam
apresentar dízimos e ofertas de tudo o que recebiam; [portanto,] a apresentação
fiel que faziam dos dízimos de seus salários lhes era reputada como se
houvessem apresentado grãos da eira.” (John E. Hartley In: VanGemeren (Org.), 2011, p. 304, v. 2).
Por isso, em Nm 18,27, lemos: “Atribuir-se-vos-á a vossa oferta como se fosse cereal da eira e plenitude
do lagar.” O verbo atribuir-se-vos-á é o mesmo usado para imputar em Gn 15,6, e
indica que Deus ia atribuir aos levitas a sua oferta dos dízimos, e assim eles seriam
aceitos diante dele. Em Gn 15,6,
Abraão creu em Deus e esta fé lhe foi imputada ou colocada em sua conta como justiça.
Deus atribuiu a Abraão um valor moral e espiritual por
causa da sua fé. Isto foi importante porque demonstrou que Abraão estava, de
fato, em um correto relacionamento com Deus; ele estava trilhando o rumo certo.
O apóstolo
Paulo, no Novo Testamento, cita algumas vezes Gn 15,6 para comprovar a doutrina
da justificação pela fé somente. Para citar um exemplo, em Gl 3,6-7, lemos: “ 6 É o caso de Abraão, que creu em Deus, e isso lhe foi imputado
para justiça. 7 Sabei, pois, que os da fé é que são filhos de
Abraão.” O texto diz que Abraão foi justificado por sua fé e que todos os que imitam
autenticamente a fé de Abraão são também. Aqui nós entramos na continuidade dessa
história. Se nós crermos em Jesus Cristo como o enviado de Deus, seremos justificados
por nossa fé, seremos aceitos por Deus. Esta doutrina da justificação é tão importante
que a Reforma
Protestante do século XVI encontrou nela a entrada do edifício da teologia de
Paulo. (c.: Ridderbos, 2004, p. 11
– 12). Tanto Martinho Lutero (1483 –
1546) como João Calvino (1509 – 1564) reconheceram que a justificação pela fé
somente é o critério máximo para toda a doutrina da salvação no Novo
Testamento, pois aponta para Deus como o nosso justificador, independentemente de
nossas obras. Aqui cabe a pergunta: o que é justificação? No conceito
reformado, “A
justificação pode ser definida como o ato gracioso e judicial de Deus pelo qual
ele declara justos a pecadores crentes, na base da justiça de Cristo que lhes é
creditada, perdoando seus pecados, adotando-os como filhos e
dando-lhes direito à vida eterna.” (Hoekema,
2002, p. 172). Vemos com esta definição que em primeiro lugar, a justificação é
um ato de Deus em que ele justifica os crentes por sua graça, que é seu favor
imerecido. A justificação é também um ato judicial de Deus porque ele age como
um juiz que justifica o réu que está no tribunal. Como Deus o justifica? Ele o
declara justo na
base da justiça de Cristo que lhe é creditada. A fé e a obediência de Jesus são
imputadas nos crentes, são colocadas em sua conta que estava vazia diante de
Deus. Isso significa que nós, os crentes, temos crédito diante de Deus por causa
da obra de Jesus Cristo.
Mas, que obra Jesus
fez por nós? Em síntese, a obra de Cristo se resumiu na palavra obediência. A
teologia reformada divide a obra de obediência de Cristo em duas. A primeira é
chamada de obediência passiva, na qual ele, em uma reunião na eternidade,
aceitou de Deus Pai a responsabilidade de ser nosso Mediador e Salvador. Para
citar apenas um exemplo, quando Jesus conversou com a mulher Samaritana, em Jo
4,34, ele disse: “A minha comida consiste em fazer a vontade daquele que me
enviou e realizar a sua obra.” Aqui Jesus diz claramente que Deus o enviou para
realizar a sua redenção. A
segunda obra é chamada de obediência ativa, na qual Cristo voluntariamente prometeu
cumprir toda a Lei de Deus enquanto vivesse aqui na Terra. Em Jo 10,17-18a, por
exemplo, Jesus diz: “ 17 Por isso, o
Pai me ama, porque eu dou a minha vida para a reassumir. 18 Ninguém
a tira de mim; pelo contrário, eu espontaneamente a dou.” Estes versos nos ensinam
que Jesus não obedeceu “... apenas para si mesmo, mas para nós. Quando nós o aceitamos
como nosso Salvador, a sua obediência ativa significa que fomos positivamente
justificados diante de Deus. Estamos cobertos pela justiça de Jesus Cristo.” (Schaeffer, 2003,
p. 19). Esta justiça nos dá três frutos: o perdão dos nossos pecados, a nossa
adoção como filhos de Deus e o nosso direito de ter a vida eterna. Aqui
precisamos refletir: o que estamos esperando para abraçar esta fé que nos
justifica? Tendo fé nós temos amizade com Deus; não a tendo, nós perdemos esta
preciosa amizade de Deus.
TEXTOS CONSULTADOS
Harris, R. Laird; Archer, Jr., Gleason
L.; Waltke, Bruce K. Dicionário internacional
de Teologia do Antigo Testamento.
Tradução de Márcio L. Redondo, Luiz A. T. Sayão e Carlos O. C.
Pinto. São Paulo – SP: Vida Nova,
2005. 1789 p.
Hoekema, Anthony. Salvos
pela graça: a doutrina bíblica da salvação.
Tradução de Wadislau G. Martins.
2. ed. [rev. ]. São Paulo – SP:
Cultura Cristã, 2002. 287 p.
Ridderbos, Herman. A
vinda do reino. Tradução de Augustus
N. Lopes e Minka S. Lopes. São Paulo –
SP: Cultura Cristã, 2010. 432 p.
Schaeffer,
Francis
A. A
obra consumada de Cristo: a verdade de Romanos 1 – 8. Tradução de Gabrielle G. Bretzke. São Paulo – SP: Cultura cristã, 2003. 255 p.
VanGemeren, Willem
A. (Org.). Novo dicionário internacional de Teologia e Exegese do Antigo
Testamento. Tradução de Afonso T.
Filho et al. São Paulo – SP: Cultura Cristã, 2011. v. 2, 1150
p.
Que bênção esse texto.
ResponderExcluirBom e esclarecedor 🙏
ResponderExcluirGostei do texto bem esclarecido
ResponderExcluirMuito edificante
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