Por Heber R. Bertuci.
Quando lemos
Paulo e Tiago, parece que há uma contradição quando abordam a palavra
justificação. Paulo ensina em Gl 2,16, que “... o homem não é justificado por
obras da lei, e sim mediante a fé em Cristo Jesus, também temos crido em Cristo
Jesus, para que fôssemos justificados pela fé em Cristo e não por obras da lei,
pois, por obras da lei, ninguém será justificado.” Já Tiago, o meio irmão de Jesus,
em Tg 2,21-24, enfatiza que “21 Não foi por obras que Abraão, o
nosso pai, foi justificado, quando ofereceu sobre o altar o próprio filho,
Isaque? 22 Vês como a fé operava juntamente com as suas obras; com
efeito, foi pelas obras que a fé se consumou, 23 e se cumpriu a Escritura,
a qual diz: Ora, Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça; e:
Foi chamado amigo de Deus. 24 Verificais que uma pessoa é justificada
por obras e não por fé somente.” Como conciliar Paulo, que diz que o homem não
é justificado pelas obras da lei, com Tiago, que diz que o homem é justificado
pelas obras e não apenas pela fé? Dentre as várias respostas que existem para
esta pergunta, citarei três.
A primeira diz que Tiago está abertamente combatendo os ensinos de Paulo.
Quem adota esta resposta, ou aceita a possibilidade de que a Bíblia tenha
contradições, como, por exemplo, o faz um teólogo neoliberal de origem suíça, chamado
Karl Barth (1886 – 1968), ou pode rejeitar o livro de Tiago como Escritura
Sagrada. Rejeitar o livro de Tiago nunca aconteceu na História da Igreja, pois “... Tiago veio
a ser reconhecida como canônico em todos os seguimentos da Igreja antiga, e,
conquanto alguns tenham revelado certa hesitação, ninguém rejeitou totalmente o
livro.” (Carson; Moo; Morris, 2002, p. 463). O mais famoso
personagem que hesitou em reconhecer Tiago como parte da Bíblia foi o reformador
Martinho Lutero (1483 – 1546). Ele desconfiava que havia contradição
entre a doutrina
de obras de Tiago e a doutrina da fé de Paulo. À vista disso, Lutero “... relegou
a epístola a um papel secundário no Novo Testamento, junto com Judas, Hebreus e
Apocalipse. Apesar disso, Lutero não exclui Tiago do cânon e, apesar de suas
críticas, muitas vezes citou Tiago favoravelmente.” (Ibid., p. 463). Por que
Lutero foi contrário à Epístola de Tiago? É provável que seja porque ele abraçou
de tal modo a ênfase paulina sobre a justificação por meio da fé, que teve dificuldade
com a ênfase nas obras que Tiago ensinava. Mas devemos deixar claro que Lutero
não condenou Tiago, ele teve dificuldade com um aspecto de sua doutrina.
A segunda resposta
ensina que Paulo e Tiago lidavam com diferentes problemas; desta forma, não havia
contradição. Paulo enfrentava o problema da “... oposição de
pessoas que confiavam na sua guarda da lei para a salvação (como ele mesmo
havia feito durante seu período farisaico); assim, ele ensinava que a pessoa é
justificada pela fé à parte das obras da lei – isto é, obras feitas como meios
de comprar a salvação.” (Hoekema, 2002, p. 163). Desejando que os cristãos não voltassem ao judaísmo, Paulo combateu de modo
firme uma prática judaica muito forte em seu tempo: o ensino de que as obras eram
necessárias para
o cumprimento da lei, para que se adquirisse a verdadeira piedade. Já Tiago
“... estava combatendo pessoas inclinadas a pensar que uma
crença meramente intelectual nas verdades do Cristianismo era suficiente para a
salvação.” (Ibid., p. 163). Tiago criticava uma fé apenas
de palavras, não de atos; criticava aqueles que só queriam debater
Cristianismo, que só se interessavam em teorias, mas não em prática. Percebemos,
portanto, que Paulo e Tiago tratavam de duas questões opostas que mereciam
ênfases diferenciadas da parte deles.
A terceira resposta é que Paulo usa a expressão obras da Lei e ensina que
não somos justificados pelas obras da Lei do Antigo Testamento. Tiago usa
apenas a palavra obras e ensina que uma fé que não é demonstrada por obras da
fé não é verdadeira. Com esta explicação, a conclusão é que quando Tiago fala
que Abraão foi justificado pelas obras porque colocou seu filho sobre o altar
em Gn 22, ele não nega que Abraão foi justificado em um tempo anterior, quando
a Escritura disse em Gn 15,6 que “Ele creu no SENHOR, e isso lhe foi imputado
para justiça.” A ênfase de Tiago é
que foi pelas obras que a fé de Abraão se consumou. Em Tg 2,22, lemos que “... a
fé cooperou com as suas obras [de Abraão] e que, pelas obras, a fé foi
aperfeiçoada”. Então, o ensino de Tiago está de acordo com Paulo, por exemplo,
no texto de Gl 5,6: “Porque, em Cristo Jesus, nem a circuncisão, nem a incircuncisão
têm valor algum, mas a fé que atua pelo amor.” Nesse texto, Paulo diz que a fé
deve ser demonstrada e exercida em amor, e assim concorda com Tiago que os
crentes devem exteriorizar por atos a sua fé. Para nós estes dois autores
inspirados ensinam que não devemos cair no extremo de pensar que uma fé apenas
de palavras já é suficiente diante de Deus. É preciso viver e testemunhar nossa
fé no dia a dia, sendo benção nas mãos de Deus.
TEXTOS
CONSULTADOS
Carson, Donald. A.; Moo, Douglas
J.; Morris, Leon. Introdução ao
Novo Testamento. Tradução de Márcio L. Redondo. São Paulo – SP: Vida Nova, 2002. 556 p.
Hoekema, Anthony. Salvos
pela graça: a doutrina bíblica da salvação.
Tradução de Wadislau G. Martins.
2. ed. [rev. ]. São Paulo – SP:
Cultura Cristã, 2002. 287 p.
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