sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

HÁ CONTRADIÇÃO ENTRE PAULO E TIAGO NA QUESTÃO DA JUSTIFICAÇÃO?


Por Heber R. Bertuci.


Quando lemos Paulo e Tiago, parece que há uma contradição quando abordam a palavra justificação. Paulo ensina em Gl 2,16, que “... o homem não é justificado por obras da lei, e sim mediante a fé em Cristo Jesus, também temos crido em Cristo Jesus, para que fôssemos justificados pela fé em Cristo e não por obras da lei, pois, por obras da lei, ninguém será justificado.” Já Tiago, o meio irmão de Jesus, em Tg 2,21-24, enfatiza que “21 Não foi por obras que Abraão, o nosso pai, foi justificado, quando ofereceu sobre o altar o próprio filho, Isaque? 22 Vês como a fé operava juntamente com as suas obras; com efeito, foi pelas obras que a fé se consumou, 23 e se cumpriu a Escritura, a qual diz: Ora, Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça; e: Foi chamado amigo de Deus. 24 Verificais que uma pessoa é justificada por obras e não por fé somente.” Como conciliar Paulo, que diz que o homem não é justificado pelas obras da lei, com Tiago, que diz que o homem é justificado pelas obras e não apenas pela fé? Dentre as várias respostas que existem para esta pergunta, citarei três.

A primeira diz que Tiago está abertamente combatendo os ensinos de Paulo. Quem adota esta resposta, ou aceita a possibilidade de que a Bíblia tenha contradições, como, por exemplo, o faz um teólogo neoliberal de origem suíça, chamado Karl Barth (1886 – 1968), ou pode rejeitar o livro de Tiago como Escritura Sagrada. Rejeitar o livro de Tiago nunca aconteceu na História da Igreja, pois “... Tiago veio a ser reconhecida como canônico em todos os seguimentos da Igreja antiga, e, conquanto alguns tenham revelado certa hesitação, ninguém rejeitou totalmente o livro.” (Carson; Moo; Morris, 2002, p. 463). O mais famoso personagem que hesitou em reconhecer Tiago como parte da Bíblia foi o reformador Martinho Lutero (1483 – 1546). Ele desconfiava que havia contradição entre a doutrina de obras de Tiago e a doutrina da fé de Paulo. À vista disso, Lutero “... relegou a epístola a um papel secundário no Novo Testamento, junto com Judas, Hebreus e Apocalipse. Apesar disso, Lutero não exclui Tiago do cânon e, apesar de suas críticas, muitas vezes citou Tiago favoravelmente.” (Ibid., p. 463). Por que Lutero foi contrário à Epístola de Tiago? É provável que seja porque ele abraçou de tal modo a ênfase paulina sobre a justificação por meio da fé, que teve dificuldade com a ênfase nas obras que Tiago ensinava. Mas devemos deixar claro que Lutero não condenou Tiago, ele teve dificuldade com um aspecto de sua doutrina.

A segunda resposta ensina que Paulo e Tiago lidavam com diferentes problemas; desta forma, não havia contradição. Paulo enfrentava o problema da “... oposição de pessoas que confiavam na sua guarda da lei para a salvação (como ele mesmo havia feito durante seu período farisaico); assim, ele ensinava que a pessoa é justificada pela fé à parte das obras da lei – isto é, obras feitas como meios de comprar a salvação.” (Hoekema, 2002, p. 163). Desejando que os cristãos não voltassem ao judaísmo, Paulo combateu de modo firme uma prática judaica muito forte em seu tempo: o ensino de que as obras eram necessárias para o cumprimento da lei, para que se adquirisse a verdadeira piedade. Já Tiago “... estava combatendo pessoas inclinadas a pensar que uma crença meramente intelectual nas verdades do Cristianismo era suficiente para a salvação.” (Ibid., p. 163). Tiago criticava uma fé apenas de palavras, não de atos; criticava aqueles que só queriam debater Cristianismo, que só se interessavam em teorias, mas não em prática. Percebemos, portanto, que Paulo e Tiago tratavam de duas questões opostas que mereciam ênfases diferenciadas da parte deles.

A terceira resposta é que Paulo usa a expressão obras da Lei e ensina que não somos justificados pelas obras da Lei do Antigo Testamento. Tiago usa apenas a palavra obras e ensina que uma fé que não é demonstrada por obras da fé não é verdadeira. Com esta explicação, a conclusão é que quando Tiago fala que Abraão foi justificado pelas obras porque colocou seu filho sobre o altar em Gn 22, ele não nega que Abraão foi justificado em um tempo anterior, quando a Escritura disse em Gn 15,6 que “Ele creu no SENHOR, e isso lhe foi imputado para justiça.” A ênfase de Tiago é que foi pelas obras que a fé de Abraão se consumou. Em Tg 2,22, lemos que “... a fé cooperou com as suas obras [de Abraão] e que, pelas obras, a fé foi aperfeiçoada”. Então, o ensino de Tiago está de acordo com Paulo, por exemplo, no texto de Gl 5,6: “Porque, em Cristo Jesus, nem a circuncisão, nem a incircuncisão têm valor algum, mas a fé que atua pelo amor.” Nesse texto, Paulo diz que a fé deve ser demonstrada e exercida em amor, e assim concorda com Tiago que os crentes devem exteriorizar por atos a sua fé. Para nós estes dois autores inspirados ensinam que não devemos cair no extremo de pensar que uma fé apenas de palavras já é suficiente diante de Deus. É preciso viver e testemunhar nossa fé no dia a dia, sendo benção nas mãos de Deus.



TEXTOS CONSULTADOS


Carson, Donald. A.; Moo, Douglas J.; Morris, Leon.  Introdução ao Novo Testamento.  Tradução de Márcio L. Redondo.  São Paulo – SP: Vida Nova, 2002.  556 p.

Hoekema, Anthony.  Salvos pela graça: a doutrina bíblica da salvação.  Tradução de Wadislau G. Martins.  2. ed. [rev. ].  São Paulo – SP: Cultura Cristã, 2002.  287 p.


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